domingo, 20 de julho de 2014

PARA A HISTÓRIA DA MARATONA EM PORTUGAL

Ao vermos um anúncio, publicado na revista Spiridon número 29, de Julho/Agosto de 1983, de um centro de treino para a maratona que se iria realizar sob a égide daquela revista ficámos logo muito entusiasmados.
Julgamos mesmo que foi aquele anúncio que nos deu a segurança para nos lançarmos na grande “loucura” de nos estrearmos nos míticos 42,195 km.
Eu e o Egas imediatamente procedemos à nossa inscrição no referido centro de treino.
A Revista Spiridon iria organizar a segunda edição da sua maratona novamente no autódromo do Estoril a 18 de Dezembro.
Se o papel da Spiridon foi pioneiro e preponderante no lançamento de prova da maratona aberta a todos os atletas em Portugal e na desmistificação da distância este centro de treino, e o que se viria a realizar em 1985 (no qual também participámos), foram fundamentais para que novos corredores de pelotão se lançassem, como toda a segurança, na aventura de correr uma maratona.
Numa época em que pouco anos antes correr uma meia maratona ainda era algo do “outro mundo” e em que a maratona ainda era considerada por muitos como uma prova desumana (mesmo por treinadores e dirigentes consagrados do atletismo nacional) estes centros de treino vieram dar uma preparação sólida aos futuros maratonistas para enfrentarem a distância sem percalços e vieram, igualmente, treinar os atletas com base em conceitos modernos, cientificamente provados, e usando os métodos de treino mais avançados na altura no que concerne a correr uma maratona.
Estes centros de treino criaram um grupo, mesmo que pequeno, de maratonistas que aprenderam como se treina tanto no geral como para uma maratona em particular.
E se considerarmos que cada participante nesses centros de treino tendo vários amigos corredores acabou por transmitir a esses amigos o que aprendeu sobre treino e desmistificando o papel de “bicho papão” que era atribuída à maratona então ainda dá entender melhor o alcance desta iniciativa.
Estávamos numa época em que a informação era escassa e lenta e por isso todo o saber que estes maratonistas pioneiros adquiriram e transmitiram a amigos foi de importância vital!
Praticamente e injustamente ignorados estes dois centros de treino para a maratona organizados pela revista Spiridon fazem parte integrante da história da maratona em Portugal e dessa mesma história não podem ser desassociados.
Do ponto de vista pessoal a nossa participação nesse centro de treinos no já longínquo ano de 1983 trouxe-nos grandes amizades para a vida, que ainda hoje se mantêm, conhecimentos sobre métodos de treino que desconhecíamos por completo, e o título de maratonista obtido com os tempos de 3:49:20 (Egas) e 3:28:14 (Jorge).
Por mera curiosidade deixamos aqui a imagem da última folha da planificação do treino que nos foi fornecida.
Hoje sorrimos ao ver aquela carga de treino que na idade e condições físicas actuais seria completamente impossível de executar.
Ao olhar, nostalgicamente, aquela folha vem-nos sempre à baila aquele conceito que temos de que agora corremos e antigamente treinávamos! Sim, correr e treinar são coisas bem distintas!
Já agora saliente-se que a divulgação daquela folha treino é apenas uma mera curiosidade e não para servir de exemplo como treino actual a quem quer que seja pois trata-se de um treino devidamente especificado e personalizado para um determinado objectivo e concebido com profundo conhecimento do atleta a quem era dirigido.
Por mais anos que passem nunca mais vamos esquecer o Centro de Treino Para a Maratona!




domingo, 6 de julho de 2014

MADRUGADA A CORRER NUM MAR DE SENTIMENTOS!

Quando vi o anúncio da prova Madrugada a Correr fez-se um “clique” no cérebro!
Confesso que correr àquela hora e ver o sol nascer não é nenhuma novidade para mim pois socorro-me de horas bem madrugadoras para fugir ao calor aqui em treinos pela Lezíria Ribatejana! O percurso entre o Estádio Nacional e a Rotunda de Algés também não é algo que se me afigure atractivo e a distância de 7 km então é uma “desgraça” para quem não gosta de provas de 10 km e só começa a sentir que vale a pena fazer uma prova a partir dos 15 km!
Mas o tal “clique” que tive foi imaginar-me a fazer a prova e depois seguir para um treino que acabaria na casa de um tio meu perto da Avenida Infante Santo em Lisboa. Com alguns acrescentos daria algo a rondar os 21 km e seria um treino de sentimentos para mim!
Vivi 30 anos na Avenida Infante Santo, treinei muito no Estádio Nacional e toda a zona das docas entre o Cais Sodré e o Estadio Nacional foram a minha “casa” de treinos! Construi grande parte das minhas modestas 4 maratonas e a minha ultra maratona nessas zonas na já longínqua década de 80 do século passado!
Mas muito mais que isso alguns familiares meus, já falecidos, viveram, ou trabalharam, ao longo do desse percurso nomeadamente entre a Cruz Quebrada e Algés.
Pode-se dizer que cada metro desse percurso me traz algumas memórias especiais
Conjugando a boa vontade do João Lima que desde a primeira hora se ofereceu para me ir buscar à Infante Santo com o alojamento em casa do meu tio Egas Branco lancei-me na aventura da Madrugada dos Sentimentos.
Depois de “não pregar olho” a partir das 3:30 da manhã e me ter levantado às 4 encontrei-me como o João Lima ainda antes do que estava combinado que seria as 5:05 da matina!
A prova em si o que teve mais de especial foi a companhia do João que mesmo com a prova que fizera na véspera e os problemas de saúde que o atormentam ainda deu para meter um andamento algo vivo para um “coxo” como eu e que a seguir a terminar a prova ainda lhe faltavam correr mais dois terços!
De salientar que logo no percurso da prova assinalei o primeiro ponto sentimental ao passar à porta do prédio onde viveu a minha Tia Branca na Avenida Ivens (mais conhecida pela Marginal) em pleno Dafundo.
Confesso que acabar a prova, entregar o chip e depois arrancar em solitário para mais 14,160 km de corrida não foi fácil!
Avenida Pierre de Coubertin, lá vou a descer, descontraidamente, em direcção à Cruz Quebrada aplaudindo e incentivando quem vem a terminar a sua prova.

Quantas vezes desci aquela Avenida para os meus treinos longos em que “voava” para o Cais de Sodré ou a subia em “alta velocidade” no regresso desses mesmos treinos!
Foi também por essa Avenida que parti e voltei (na companhia do Egas) para uma ligação, histórica, de um treino entre o Estádio Nacional e o Estádio Universitário integrado na preparação para as 12 Horas de Vila Real de Santo António em 1987!
Cruz Quebrada: aqui desço para o Paulo Duque e há que fazer um pequeno desvio passando pelo túnel e pela ponte sobre o Jamor para me dirigir ao Largo da Estação.
Chove e a pequena descida no passeio escorrega como tudo!
Largo da Estação, a antiga Fabrica Portuguesa de Fermentos Holandeses agora é um edifício em ruínas, emparedado, que faz doer a alma a quem é neto de um homem que ali trabalhou 40 anos da sua vida dando o melhor de si! Onde também trabalhou uma tia e um tio meu!
Na minha família aquela fábrica foi sempre os Fermentos.
Olho para o edifício e julgo que ainda consigo identificar a janela do gabinete do meu avô Eugénio Nunes Branco! Passa-me toda uma vida pela frente, emociono-me, comovo-me! Mas está feita a primeira homenagem daquele treino tão especial! O primeiro lugar de sentimento!
Volto para a Policarpo Anjos e passo à porta de onde viveu o cunhado do meu tio, Luís Botas (falecido há relativamente pouco tempo) e onde ainda mora a cunhada, a Lourdes. Mais um mar de emoções, mais uma casa que me foi tão familiar e onde passava tantas vezes depois dos treinos no Estádio Nacional.
Atinjo a Paulo Duque e aqui os sentimentos são muitos intensos: num gaveto virado para a marginal viveram os meus tios Adelaide (tia avó) e João Barros e em frente desse prédio a irmã desse meu tio, a Ema.
Um mar imenso de recordações, um oceano de vida, tanta, tanta coisa naquela pequena rua. Vou mesmo até à esquina à porta do prédio e volto para trás a fim de seguir para Algés pela antiga linha dos eléctricos.
Em Algés passo para o lado de lá da linha pelo túnel da estação e entro num percurso que tem tantas histórias e recordações que seria fastidioso falar de todas aqui!
Chove, está vento (felizmente de costas) mas aquela zona é sempre bela!
As pernas ainda vão relativamente leves mas estranho o piso de paralelepípedos do qual já nem me lembrava!
Atinjo a Torre de Belém e como o treino é mesmo de turismo e sentimento corro mesmo no pequeno pontão que acaba no Tejo. Olho aquele Tejo imenso que me corre nas veias e me segue desde criança!
Volto para trás e contorno o relvado do Jardim da Torre de Belém. Centenas e centenas de quilómetros percorridos naquele jardim que eu e o meu tio conhecíamos de olhos fechados o que nos permitia treinar mesmo de noite sem frontal (frontal o que era isso? Nem se usava na altura!).
E segue o treino, as docas estão tão diferentes das “minhas” docas”.
Padrão dos Descobrimentos, dou mesmo uma volta à monumental Rosa do Ventos no chão de pedra, tão bela! Como eu gostava de passar ali em treino!
As pernas já pesam alguma coisa, chove, faz vento, e as docas parecem-se algo com as docas do meu tempo pois só se vêem pescadores!
Pensava que iria ter um dia de sol, aquilo pejado de gente: caminheiros, ciclistas, corredores, simples passeantes mas nada, só pescadores.
Jardim da Cordoaria (como a gente lhe chamava), aqui o meu tio tropeçou num espigão que segurava um banco de jardim ao chão, roubado na véspera, e deu a maior queda da sua carreira de corredor de fundo com a fissura de uma costela, que lhe custou uma paragem de mais de um mês!
Começo a “fazer mira” à Ponte 25 de Abril que tanto passei por baixo, em treino e algumas vezes por cima, em prova!
Passo a ponte e lembro-me de quando aqui fiz um treino em que o vento era de tal ordem que quase nos queria atirar ao Tejo e onde o barulho da chuva tocada a vento contra os frágeis impermeáveis nos impedia de ter uma conversa normal. Só nos ouvíamos aos gritos e muito mal.
Gare Marítima de Alcântara, da minha Alcântara proletária de operários da CUF, estivadores e varinas! Da minha Alcântara, minha pátria, minha freguesia, sou de muitos lados mas Alcântara é a minha pátria mãe!
A recordação mais antiga, do fundo do baú das minhas memórias, que envolve esta Gare reporta-se à chegada do meu ex padrasto vindo da Guerra Colonial, a multidão que aguardava o desembarque, os acenos, os lenços, os gritos os choros, o meu padrasto que me pega ao colo e o menino que já nem o reconhecia na sua farda de oficial e no primeiro momento tem um certo “receio” daquele “polícia” que lhe pega ao colo!       
Pesam as penas mas a Infante Santo está perto!
Finalmente chego ao viaduto da Infante Santo. Quando aqui vivi ele ainda não existia e para passar para o lado das docas ou se ia à passagem de nível do Jardim da Rocha do Conde de Óbidos ou ao túnel da estação de Alcântara – Mar.
19 km e picos, chuva, uma escada para subir e descer não é algo que me agrade lá muito mas tem que ser!
Infante Santo e toca a subir! Não é fácil! A “coisa” sobe proporcionalmente à falta de forma!
Estou a passar ao número 48, aqui vivi praticamente 30 anos da minha vida, deste tenra idade.
Cansado, ensopado, dorido muscularmente, olho lá bem para o alto, para o 10º andar e passa-me toda uma vida pela frente em flash rápido! Emoção, emoção, emoção. 
E continuo a subir, penosamente, aquela Avenida onde cheguei a fazer séries abaixo dos 5 minutos ao km para o Manteigas-Penhas Douradas! Já não existe mais o Gasómetro, agora são prédios modernos e num desses a loja de um amigo meu.
Cruzamento da Sant'Ana à Lapa e agora subo a pela Sant'Ana à Lapa? NÂO!
A Infante Santo é para se fazer toda! Toma lá mais uma subida para estares calado, toma lá com a Domingos Sequeira!
Campo de Ourique! Subi um bocado desde lá de baixo do Tejo! Agora é descer um pouco e estou no “centro de estágio”.
Ensopado, estropiado e feliz chego a casa dos meus tios! Sou logo brindado com foto à saída do elevador! Até tive medo de ir de elevador de tão molhado que estava, mas escadas depois destes 21,300 km...?!
A minha tia horrorizada dá guia de marcha acelerada para o banho! Ai que apanhas uma pneumonia! Nem tive tempo de respirar! Mal ela sabe que o marido apanhou “toneladas” de molhas iguais ou maiores só que tomava banho em balneários!...
Esta corrida/treino é para o meu “irmão” João Lima e em memória de Gertrudes Maria Valente e Branco e Eugénio Nunes Branco, Laia e João Barros, Branca Bélgica, Ema e Luís Botas com muita saudade mas nenhum esquecimento.
Nota: tirando as duas primeiras fotos que ilustram este texto todas as outras fotos são “fotografias de saudade”.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

CORRIDA DOS GAMBUZINOS

Numa época em que cada vez se recorre mais ao pedantismo piroso de “baptizar” provas portuguesas com nomes em inglês esta prova chamou-nos a atenção pela extrema originalidade do nome!
Sim é possível ter provas com o nome em português que do ponto de vista publicitário atraem logo os potenciais clientes ou seja os atletas. É tudo uma questão de originalidade e de ter algumas noções de publicidade!