Ao ver a maneira como os corredores interagem uns
como os outros, a maneira como anda esta corrida, nestes tempos globalizados,
nestes tempos da Net, não posso deixar de fazer comparações com a década de 80,
quando comecei a minha ligação com a corrida a pé.
Na década de 80 o corredor era um ser muito mais
isolado e solitário dentro do mundo da corrida e a informação era muito mais
escassa e difícil de obter.
As poucas ligações que havia entre corredores
limitavam-se a quem corria através de pequenos clubes ou amizades que se
estabeleciam nos locais de treino mais frequentados como (e dando os casos de
Lisboa, que era o que eu conhecia) o Estádio Universitário, o Estádio 1º de
Maio, do Inatel, e o Estádio Nacional.
As informações mais técnicas sobre corrida, os
métodos de treino, as últimas novidades, eram dadas basicamente pela Revista
Spiridon que se lia, avidamente, de dois em dois meses. Lá havia uma ou outra
troca de conhecimentos com outros corredores, mas como os contactos entres os
amantes da corrida eram muito mais escassos a informação circulava muito mais
devagar.
Hoje tudo isto mudou radicalmente e com os
blogues, Facebook, fóruns e outros suportes que a Net tem. A informação e troca
de opiniões entre corredores passou a ser quase instantânea fazendo-se muitas
amizades virtuais (e algumas depois tornam-se em grande amizades reais).
Qualquer corredor com um blogue acaba por se
tornar assim como quase uma figura pública da corrida e todos sabem a sua forma
actual, capacidades atléticas, sonhos e projectos.
Por esta via da Net acaba por haver uma grande solidariedade
e troca de experiências e acabamos por dar connosco a abrir, ansiosamente, o
blogue daquele amigo (que até podemos não conhecer pessoalmente) para sabermos
como lhe correu determinada prova ou o projecto em que estava muito empenhado.
Damos connosco a sentirmos alegria com os sucessos
dos outros e tristeza quando as coisas correm menos bem. Acaba por haver toda
uma comunidade de corredores que se entreajudam mutuamente.
Estamos convencidos que esta comunidade virtual é
muito benéfica para a corrida, que se trocam muito mais facilmente expêriencias
e ensinamentos, que os corredores se sentem muito mais apoiados e que em
particular é muito mais fácil aos novatos do nosso desporto favorito darem os
seus primeiros passos.
Claro que nem tudo é um mar de rosas neste mundo
de corredores virtuais: a informação transmitida é muita mas nem sempre tudo o
que se transmite tem qualidade e rigor científico e circula muita informação
errada. Têm sempre que se comparar as informações transmitidas com a experiência
de quem as transmite, de modo a filtrar a informação e saber aproveitar o que é
verdadeiramente válido.
Depois não podemos pensar na Net como uma
verdadeira panaceia para todos os males, onde se descobre e sabe tudo.
Ainda não há muito tempo chegou-me um mail, meio
desesperado, de um atleta veterano que andava com problemas como os seus
treinos e não obtinha respostas dos seus colegas de treino que pouco o
escutavam e apenas lhe diziam para ir á Net.
Não conhecendo esse amigo pessoalmente (que viu em
mim alguém que o poderia eventualmente ajudar devido a coisas que leu escritas
por mim) tentei transmitir-lhe alguns conceitos básicos sobre a corrida e o
treino dizendo-lhe logo que não era treinador de atletismo, nem nada que se parecesse,
e até disponibilizando-me para lhe tentar arranjar uma ajuda de alguém que
fosse profissional na matéria.
O certo é que esse amigo descobriu através dos
conceitos básicos que lhe transmiti os erros que estava a fazer nos treinos e
com a sua correcção os seus problemas começaram a desaparecer!
Esse amigo que me “tocou à porta” teria visto o
seu problema resolvido bem mais rapidamente se os amigos dele “perdessem” algum
tempo a escutar o seu problema e a ajudar a ver onde estavam os erros no seu
treino, em vez de o “despacharem” para a Net, como sendo a solução milagrosa
para tudo!
Sim, não podemos pôr de parte o contacto humano e
o saber escutar o outro, em troca de um mundo virtual!
Outra coisa que se perde um pouco com os blogues e
com o Facebook é uma certa privacidade pessoal, mas na verdade quem quiser
continuar a ser um corredor anónimo só tem de não se expor nesses meios.
Pessoalmente confesso que ainda me estou a
habituar a essa exposição mediática, que é algo estranha para quem vem dos
tempos “obscuros” da década de 80!
Confesso que embora goste dessa exposição e me
sinta bem com o carinho com que sou tratado e com os incentivos que recebo, às
vezes ainda sinto algumas saudades do tempo em que se ia uma prova e só se era
conhecido por um muito escasso grupo de amigos, que por uma ou outra razão se
cruzavam com os nossos treinos.
Depois, o acto de expor objectivos publicamente,
divulgar todo o trabalho que se tem desenvolvido para os alcançar e depois
expor o resultado final ou seja como correu a prova, depende muito da natureza
de cada um.
Lembro-me que quando fiz a minha primeira maratona,
não disse a ninguém que andava a treinar para esse objectivo.
A nível familiar só o sabia o meu tio Egas, que
estava a treinar para o mesmo objectivo, e os amigos, só aqueles que comigo
treinavam no Centro de Treino para a Maratona, organizado pela revista
Spiridon, estavam a par do meu projecto de correr os 42,195 km.
Sentia-me a treinar para o meu projecto “secreto”,
sem perguntas nem pressões.
Lembro-me de chegar a casa depois de concluir a
maratona e o meu avô me perguntar: quantos km tinha tido a prova de hoje e lhe
ter respondido com a aparente maior das naturalidades (e disfarçando um enorme
orgulho): 42,195 km, ao que o meu saudoso avô respondeu: mas isso é a Maratona,
és doido!
Se me voltar a nalgum grande projecto a nível da
corrida (e essa possibilidade está cada vez mais longe) ele vai ser, novamente,
secreto e só anunciado depois de concluído. Enfim, manias!